Como aumentar o impacto do microcrédito no desenvolvimento de pequenos negócios para melhorar a renda
O acesso a crédito é um dos grandes entraves enfrentados por proprietários e proprietárias de pequenos negócios que querem crescer. Programas de microcrédito podem facilitar o caminho até os recursos financeiros, mas é preciso entender as características necessárias para atender especificamente esse público. É isso o que a terceira publicação da série “Evidências sobre Políticas de Mercado de Trabalho e Implicações para o Brasil” pretende fazer.
A publicação sobre microcrédito, elaborada pela JOI Brasil – Iniciativa Empregos e Oportunidades do J-PAL América Latina e Caribe – em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), destaca os principais aspectos de programas que tiveram sucesso em diferentes países. O objetivo é indicar abordagens que possam ser adaptadas para o cenário do Brasil. Entre os pontos positivos verificados está a flexibilidade de pagamento. Na Índia e em Bangladesh, por exemplo, foi observado que uma carência de dois meses para iniciar o pagamento do empréstimo permitiu que empreendedores e empreendedoras investissem mais em seus negócios, o que contribuiu para aumentar os lucros no médio prazo.
Além disso, o estudo verificou a importância de segmentar o crédito de acordo com as características de quem está empreendendo, de substituir a necessidade de fiador por garantias reais, como máquinas e equipamentos, no caso de investimentos em produção, ou ainda, de adaptar o cronograma de pagamento ao tipo de negócio de cada empreendedor, observando, por exemplo, o ciclo de produção agrícola.
Outro caso de interesse incluído na publicação vem do Chile. Uma avaliação da concessão de microcrédito pelo Fondo Esperanza identificou dois tipos principais de empréstimos: um deles, de responsabilidade conjunta para grupos de empreendedores, funciona como porta de entrada para a segunda modalidade, de empréstimo individual, com melhores condições e possibilidade de liberação de valores mais elevados. No entanto, para ter acesso à modalidade individual, é necessária a recomendação de um agente de crédito, profissional que atua em bancos comerciais, cooperativas de crédito, empresas de hipoteca ou instituições financeiras afins.
A avaliação realizada por afiliados da J-PAL verificou que a estrutura de incentivos para agentes de crédito não estimulava a recomendação. Para resolver isso, a equipe de pesquisa sugeriu um sistema de recompensa pelo encaminhamento de bons clientes para os empréstimos individuais, o que resultou em mais indicações.
Derrubando barreiras de gênero
Muitos programas de microcrédito têm como foco as mulheres, o que se justifica pelo fato de que empresas chefiadas por mulheres enfrentam mais restrições no acesso a financiamentos, como demonstrou um estudo realizado pelo BID e a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) segundo o qual, no último trimestre de 2020, 58% do valor do microcrédito concedido destinou-se a microempreendedores do sexo masculino, uma diferença de 16 pontos percentuais em detrimento das microempresas femininas. Outro levantamento, realizado pelo BID na Argentina, apontou que apenas 20,5% das empresas lideradas por mulheres utilizam créditos bancários para financiar seus investimentos, em comparação com 42,9% das chefiadas por homens.
Outros estudos demonstram que as mulheres também enfrentam barreiras adicionais na gestão de suas empresas, em uma dinâmica que está interligada ao contexto familiar. Uma pesquisa incluída na publicação do BID com a JOI Brasil revisitou avaliações realizadas na Índia, Gana e Sri Lanka e concluiu que o microcrédito concedido em dinheiro só tem impacto no crescimento dos negócios chefiados por mulheres quando elas são as únicas empreendedoras de suas famílias. Em arranjos familiares com outras pessoas empreendedoras, a pressão por compartilhamento de recursos é maior e o efeito do microcrédito, menor.
Como contraponto, foram analisados estudos sobre programas voltados para mulheres com bons resultados. Um deles encontrou que o acesso ao crédito por meio de conta digital aumenta a autonomia da mulher para investir em seu empreendimento e diminui a pressão por compartilhamento de recursos com outros membros da família, o que aumenta o impacto do microcrédito.
Contribuição para o debate público
Todo o levantamento realizado na edição sobre microcrédito da série “Evidências sobre políticas de mercado de trabalho e implicações para o Brasil” tem como objetivo divulgar o conhecimento científico gerado nos últimos anos em diferentes países e contextos para que possam servir de inspiração para políticas no Brasil. Junto com o estudo sobre evidências, a JOI Brasil financia avaliações de impacto para contribuir com o aprimoramento de programas já existentes, como foi feito no Chile.
Além do estudo sobre microcrédito, outros dois já estão disponíveis – Qualificação profissional e Assistência à busca por emprego. As próximas edições vão abordar os temas ‘Futuro do Emprego e Novas Tecnologias’, ‘Treinamento em Empreendedorismo’ e ‘Informalidade’.